A conselheira tutelar Tatiana Pires sempre esteve ao lado do movimento negro e de defesa da mulher. Morando em Natal (RN), ela decidiu disputar as eleições este ano para defender políticas públicas em prol da comunidade, reivindicadas pelo coletivo de mulheres em que atua na cidade. É pré-candidata a uma vaga na Câmara dos Deputados.
A proteção dos animais é a preocupação da servidora pública Vanessa Negrini. Com a proposta de uma relação mais harmônica entre seres humanos e outros animais, ela também quer disputar, pelo Distrito Federal, uma das vagas de deputada federal.
A técnica de enfermagem Vanda Witoto foi a primeira pessoa no Amazonas a receber a vacina Coronavac. Ela ficou conhecida durante a pandemia pela luta contra a covid-19 em sua comunidade — o Parque das Tribos, em Manaus, onde vivem mais de 35 etnias indígenas. Nesta eleição, Vanda vai tentar se eleger deputada federal pelo Amazonas.
Tatiana, Vanessa e Vanda fazem parte de uma minoria: a das mulheres que participam da vida política no país. De acordo com o IBGE, mais da metade da população brasileira (51,13%) é feminina, e elas representam, segundo Tribunal Superior Eleitoral, 53% do eleitorado. No entanto, ocupam hoje menos de 15% dos cargos eletivos.
Desde o início da República, em 1889, o país teve uma única presidente, Dilma Rousseff, e apenas 16 governadoras mulheres. Dessas, só oito foram eleitas para o cargo, as demais eram vice-governadoras que ocuparam o posto com a saída do titular.
As oito eleitas governaram seis estados — Maranhão, Rio Grande do Norte, Pará, Rio de Janeiro, Roraima e Rio Grande do Sul —, sendo três delas no Rio Grande do Norte. O estado nordestino, aliás, é pioneiro em participação feminina na política. Foi o primeiro, em 1927, a autorizar as mulheres a votarem e serem votadas. Também foi, em 1928, o primeiro do país a eleger uma prefeita: Alzira Soriano, na cidade de Lajes.
Apenas com o Código Eleitoral de 1932, há 90 anos, o voto feminino foi autorizado em todo o Brasil. As brasileiras então puderam ir às urnas e eleger seus representantes. Entre eles, elegeu-se uma mulher, Carlota Pereira de Queirós, em São Paulo, deputada pioneira do Parlamento.
— Ocupamos apenas 15% das cadeiras na Câmara dos Deputados; no Senado, são 13%. Nas assembleias estaduais, a mesma situação: apenas 161 mulheres foram eleitas, o que também representa uma média de 15% do total de postos. Uma vergonha! Temos de garantir a paridade de gênero no Congresso Nacional e nas assembleias. A lei que exigiu um mínimo de 30% de mulheres candidatas nas chapas foi importante, mas não é suficiente — protesta Vanessa Negrini.
Para mudar essa realidade, é fundamental o estímulo ao lançamento de mais candidaturas femininas, especialmente de mulheres negras, indígenas e de identidades LGBTQIA+. Na avaliação da consultora legislativa do Senado Mila Landin, ajudam nesse processo medidas como a garantia de recursos financeiros para o financiamento das campanhas; ações educativas para combater a desigualdade de gênero; e ações afirmativas, como a reserva legal de cotas para mulheres em alguns cargos.
Ações afirmativas
A senadora Leila Barros (PDT-DF), procuradora da Mulher no Senado, também defende a adoção de ações afirmativas para promover maior participação das mulheres na política, assim como para combater as distorções históricas que colocaram a mulher em segundo plano nesta área.
— A mulher tem uma visão mais ampliada da sociedade e é mais afeita ao diálogo, além de ter maior conhecimento de causa sobre pautas femininas como aborto, saúde, assédio, maternidade e igualdade de gênero. Por outro lado, já demonstramos também ter qualificação semelhante à dos homens para ocupar quaisquer funções — afirma.
Leila e as demais integrantes da Bancada Feminina no Senado promovem nesta segunda-feira (30), às 14h, o Seminário Mais Mulheres na Política, no Plenário da Casa. O objetivo do evento é incentivar e criar condições para que as mulheres usem o voto de forma ativa, além de estimular o debate sobre a baixa representatividade das mulheres nos diversos espaços de poder. O encontro deve ainda rever ações e estratégias para ampliar a participação feminina na política e assegurar que mais mulheres sejam eleitas. O seminário contará com a presença de artistas, jornalistas, empreendedoras, parlamentares e especialistas sobre o assunto.
A líder da Bancada Feminina, Eliziane Gama (Cidadania-MA), explica que o seminário busca a equidade de gênero nas esferas de poder, para que a diferença de pontos de vista enriqueça as discussões e aperfeiçoe os projetos e políticas públicas. O evento, aberto ao público, é suprapartidário e conta com as parcerias do TSE e da Câmara dos Deputados.
— A política precisa e deve ser assunto de mulher. É importante a escolha de candidatos e candidatas que tenham compromisso com políticas públicas e propostas para as mulheres e para o Brasil — diz Eliziane.
A senadora Maria do Carmo Alves (PP-SE), eleita pela primeira vez há quase 25 anos, reconhece que historicamente o espaço de poder foi negado às mulheres. Ela aponta a necessidade de prepará-las para atuar nesse território.
— Conquistado esse espaço, precisamos fortalecer a liderança feminina no nascedouro, dentro da comunidade, agregar uma boa formação política e qualificar essa participação, criando condições para que a mulher possa atuar plenamente e dar grandes contribuições à sociedade — defende.
Em 2018, o Banco Mundial divulgou o relatório Perda de Oportunidades: o elevado custo de não educar as meninas. O documento constata que garantir às adolescentes o ingresso no ensino médio resultava em uma gama de benefícios socioeconômicos para o país, como a quase eliminação do casamento infantil, a redução em um terço da taxa de fertilidade em países com alto crescimento populacional e a diminuição da mortalidade infantil e da desnutrição.
O relatório concluiu que o desenvolvimento de uma nação passa pela equidade de gênero, ao se investir em políticas de educação e inclusão produtiva das mulheres.
— A questão é como conquistar essas políticas se não tivermos mulheres presentes na sua proposição, formulação e decisão. Como deixar de ser o quarto país do mundo com relação ao número de casamentos infantis? Como sair da quinta posição mundial em casos de violência contra a mulher? Uma resposta parece ser direta: nós, mulheres, temos de participar da política — endossa a advogada especialista em direito eleitoral Gabriela Rollemberg, cofundadora do Quero Você Eleita (QVE), movimento de apoio jurídico a mulheres candidatas por todo o país.
Ativo desde junho de 2020, o QVE é um laboratório de inovação política, em que uma rede de profissionais trabalha para ampliar a presença feminina na política, ajudando em suas candidaturas e mandatos.
Recursos para campanhas
Gabriela Rollemberg relata que o Brasil teve importantes avanços, como as mulheres terem mais anos de escolaridade que os homens, viverem mais tempo e serem mais da metade da população ativa do país.
Para as eleições deste ano, ela dá como exemplo a recente legislação que passou a obrigar uma destinação do percentual mínimo dos recursos do fundo eleitoral e do fundo partidário para as candidaturas femininas e, proporcionalmente, para as candidaturas de mulheres e homens negros.
A Emenda Constitucional 111, promulgada em setembro de 2021, determinou a contagem em dobro dos votos dados a mulheres e pessoas negras no cálculo da distribuição dos recursos dos fundos partidário e eleitoral nas eleições. A medida vale a partir deste ano até 2030. O texto traz ainda a mudança do dia da posse do presidente da República (para 5 de janeiro) e dos governadores (para 6 de janeiro) e constitucionaliza a fidelidade partidária.
A EC 111 fará diferença para a candidatura de Tatiana Pires, que conta com acompanhamento do QVE. Mesmo as mulheres negras sendo o maior grupo demográfico do país (28% da população), nas eleições municipais de 2020 elas representaram apenas 6% dos eleitos para prefeitura ou Câmara Municipal.
— Eu me lembro de quando teve o plebiscito sobre monarquia ou democracia e pessoas apontarem o dedo para mim e falarem: “Vai ser monarquia, porque vocês têm que voltar a ser escravos”. Isso eu nunca esqueci. Imagina uma adolescente ouvir coisas como essas. A representatividade da mulher negra é muito importante — reforça.
Em abril deste ano, outra emenda constitucional foi promulgada pelo Congresso como ação afirmativa para estimular candidaturas femininas. A EC 117 incluiu na Constituição a aplicação de percentuais mínimos de recursos do fundo partidário nas campanhas de mulheres e em programas voltados à participação delas na política.
Na prática, passa a ser regra constitucional a destinação de 30% dos recursos de campanha dos partidos para candidaturas femininas. E se o partido lançar mais que 30% de candidaturas femininas, o tempo de rádio e TV e os recursos devem aumentar na mesma proporção.
— A efetiva inclusão das mulheres é a certeza de que estamos assegurando paridade igualitária na política brasileira. Muito ainda deve ser feito e vamos continuar trabalhando nesse caminho — assegura o senador Carlos Fávaro (PSD-MT), autor da proposta de emenda à Constituição que deu origem à EC 117.
Relator da matéria no Senado, Nelsinho Trad (PSD-MS) cita a participação feminina na vida econômica do país como comprovação da necessidade de incentivos para que participem também da vida política. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelam que 45% das famílias do Brasil são sustentadas por mulheres. Elas também representam 48% dos empreendedores do país, de acordo com o Sebrae.
Violência política
A consultora Mila Landin destaca outra frente de atuação para ampliar essa participação feminina no poder público: o combate à violência política, que atinge as mulheres, em razão do gênero, com o objetivo de prejudicar ou anular o exercício de seus direitos.
Ela lembra o assassinato da vereadora Marielle Franco no Rio de Janeiro, em 2018, como um caso emblemático de violência política de gênero. Em 2021, foi sancionada a Lei 14.192, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher.
— Mas não basta que a lei exista. É necessário que as instituições funcionem, investiguem os casos de violência e punam os criminosos. Ainda é comum que políticas mulheres ocupem posições de pouco destaque. E viram alvo de ataques de conteúdo machista quando se sobressaem — lamenta a consultora.
Relatora no Senado do PL 5.613/2020, que foi transformado na Lei 14.192, a senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB) enfatiza que é fundamental assegurar condições para que as mulheres que têm vocação para a política sigam essa carreira.
— Não adianta dizer que é preciso mais mulheres na política e não oferecer condições, não mostrar caminhos, através dos partidos, para que isso realmente se concretize. Eu, por exemplo, enfrentei muitas dificuldades por ser mulher. Fui a primeira senadora eleita pelo meu estado, a Paraíba, e hoje posso afirmar mais do que nunca que, sim, precisamos de mais mulheres na política.
É preciso ainda a conscientização das eleitoras para que saibam escolher seus representantes, homens ou mulheres, de acordo com suas propostas e ideologias. A senadora Soraya Thronicke (União-MS) considera relevante haver figuras femininas que sirvam de exemplo e inspiração às outras mulheres e que possam representá-las verdadeiramente.
Soraya ressalta a atuação das senadoras desta legislatura, que fortaleceram sua representatividade por meio da Bancada Feminina, reunindo parlamentares de ideologias políticas diversas, mas que convergem na luta em defesa da mulher.
Ex-líder da bancada, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) reafirma que a classe política precisa de maior diversidade para melhor representar o povo brasileiro.
— Nos envergonha sermos o rodapé da representatividade feminina em relação ao mundo: sermos apenas 15% no Legislativo, quando a média mundial é 30%.
Uma crescente participação de mulheres na política possibilita que as pautas classificadas como “femininas” tenham maior visibilidade no poder público, sejam consideradas relevantes e recebam um tratamento adequado. Mila Landin acrescenta que a presença da mulher na discussão política leva a avanços na legislação e na formulação de políticas públicas.
Para a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), algumas experiências só são vividas pelas mulheres, o que acaba influenciando o modo como elas fazem política, como no caso do enfrentamento ao machismo e ao racismo. Há também uma sensibilidade maior na defesa dos direitos relativos à maternidade, ressalta.
— A mulher precisa conquistar seu espaço através do voto, do trabalho, da sensibilidade e da participação efetiva. Porque a mulher tem um jeito diferente de ser. Ela é mais humilde, mais acolhedora, mais exigente com ela mesma — completa a senadora Nilda Gondim (MDB-PB).
A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) concorda que o olhar da mulher é mais carregado de humanidade. Talvez até pela construção social em que foi delegado às mulheres o papel de cuidadora, acredita:
— Essas características nos tornam mais aptas a olhar para vulnerabilidades no país e construir políticas que de fato impactam positivamente a vida das pessoas que mais precisam.
Matéria publicada originalmente em 27.05.22. Retirada da seção "Agência Senado" do portal "Senado Federal".
Fonte:
LIMA, Paola e PORTELA, Raíssa: Mulheres na política: ações buscam garantir maior participação feminina no poder. Agência Senado, 2022. Disponível em: <https://www.observatorioregional-gepem.com.br/single-post/tribunal-de-justi%C3%A7a-nega-recurso-e-h%C3%A9lio-gueiros-neto-pode-ir-a-j%C3%BAri-popular-em-bel%C3%A9m>. Acesso em: 13 de Dezembro de 2022.
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